FOLÍCULO PILOSO

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Queda Capilar Crônica

Tenho refletido demais sobre alguns questionamentos de pacientes quando em consulta. Em especial mulheres e, sendo mais específico, as que desenvolvem alopecia androgenética. 
Lidar com esse diagnóstico é algo complicado para qualquer pessoa, visto que o cenário atual da medicina implica em tratamento continuado e por tempo indeterminado do problema, mas percebo que as mulheres passam por questões mais profundas quando diante dessa situação. 
Já citei várias vezes nesse blog e em outros textos que escrevi nos últimos anos sobre o impacto da mídia na busca por um perfil quase que inatingível de beleza. Mulheres em capas de revistas que são fotografadas com cabelos artificialmente volumosos, atrizes que alongam seus cabelos dando a impressão de que suas madeixas cresceram rapidamente, quase que de uma hora para outra. Mudanças de visual de modelos que, apesar de parecerem não causar qualquer dano aos fios, uma hora custarão a saúde dos cabelos (quem acompanha a carreira da modelo Naomi Campbel sabe disso - já foram escritos textos aqui - sobre o problema de rarefação capilar pelo qual ela está passando). 
Incentivadas ou não por essa mídia, as mulheres por natureza já desenvolvem um tipo de relacionamento diferente com seus cabelos se formos comparar com os homens. Relações que eu poderia chamar de afetivas, e que variam do amor ao ódio, dependendo da maneira como seus fios estão se comportando quando acordam. Natural, nós homens também sentimos isso. Tem dias que me olho no espelho e acho que meu cabelo está um desastre. Tem dias que penso, nossa, está comportado/ajeitado hoje. Mas ainda assim o relacionamento de um homem com seus cabelos raramente tem a importância e o mesmo significado do que tem para uma mulher. 
Cabelos para mulheres são um dos principais identificadores da feminilidade. 
Vou contar aqui uma história que entendo que seja importante para explicar porque tenho refletido sobre o tema. É a história de Manuela, nome fictício de uma paciente que não terá sua identidade revelada, mas que tem 29 anos. 
Já lidou com queda de cabelo há pelo menos 4 anos. Visitou 3 médicos antes de chegar a mim. Dentro do padrão descritivo da paciente, tratava-se da mesma queda capilar (região, padrão de desenvolvimento, evolução e os medicamentos que foram propostos por outros colegas médicos). Tudo indicando uma alopecia androgenética. Quando usava os medicamentos o quadro cedia e os cabelos melhoravam. Quando parava de usar os cabelos voltavam a cair. Típico do diagnóstico que a paciente tinha. 
Por algum motivo Manuela acreditava que os tratamentos que fazia dariam resultados definitivos, algo complicado quando se trata de um problema crônico. Mas ela já tinha sido avisada antes de seu diagnóstico e até entendia que poderia ser uma coisa a se tratar por tempo indeterminado. 
Em sua última consulta, a quarta comigo, Manuela me questionou se o tratamento acabaria. Quando iria poder ficar livre dos medicamentos. Tirei um tempo para explicar para ela a situação que envolvia seu diagnóstico e comentei que estávamos fazendo um tratamento de ataque, para tentar recuperar seus cabelos e logo entraríamos na manutenção. A manutenção, por sua vez, seria uma forma de mantermos o que conquistássemos para que ela não voltasse a passar pela mesma situação de queda que se seguiu após o final dos tratamentos feitos previamente. 
Assustada, Manuela me perguntou novamente se aquilo nunca teria fim. Comentei que no momento atual da medicina ainda não temos um tratamento definitivo para a queda capilar androgenética, mas que pacientes em manutenção evoluem muito bem. Eu mesmo tenho muitas pacientes em manutenção que continuam com o volume de cabelos estável e sem se preocupar mais com o problema. Tudo isso às custas do uso de uma pequena cápsula ou da aplicação de uma loção diariamente no couro cabeludo. 
Percebi uma certa frustração em Manuela. Algo no seu íntimo queria negar o enfrentamento com um problema crônico. Quando voltei meus olhos para a ficha de Manuela percebi que ela há muito tomava medicação para a tireóide por conta de um hipotireoidismo. Teria que tomar esse medicamento para sempre. Relatei esse fato, que ela deveria encarar a manutenção do tratamento capilar como encarava o tratamento da tireóide.
Manuela permaneceu em silêncio. Não foi um silêncio de aprovação ou satisfação. Foi um silêncio de desamparo. Algo nela queria negar a necessidade de tratar os cabelos pelo resto da vida. Quando quebrou o silêncio foi para falar que o tratamento da tireóide ela tirava de letra, mas o do cabelo era difícil de aceitar. 
Senti nos comentários e palavras que se seguiram que Manuela cultivava um medo da queda capilar crônica e da perda da luta contra a queda de cabelos. O medo de ficar careca. 
Entendi sua vontade de parar os tratamentos prévios tão logo se sentisse melhor. Entendi que estar no quarto médico para tratar do mesmo problema era algo extremamente desconfortável. Entendi que cada vez que passava a loção e tomava uma das cápsulas prescritas, Manuela, na verdade lutava não apenas contra o problema, mas contra tudo o que o problema significaria para ela. Manuela lutava contra a perda de sua feminilidade.