Na mata atlântica brasileira, cortes e feridas têm remédio
certo: macerado de folhas de aroeira em aguardente, conhecido há muitas
gerações como cicatrizante e analgésico. A infusão das folhas é usada
internamente para combater o reumatismo. Já as folhas frescas são
mascadas pelos habitantes dessa região para curar males da boca, como
gengivites.
Na Amazônia, dor de cabeça se trata com suco de
folhas frescas de chicória. O chá da raiz é dado às crianças gripadas e,
se mais concentrado, é oferecido às mulheres que enfrentam partos
difíceis, para que expulsem os restos da placenta.
Matas e
florestas brasileiras continuam sendo a principal farmácia de uma fatia
da população que está longe dos centros urbanos. E, na esteira da
valorização do "natural", os povos "brancos" tentam se aproximar desses
modos de cura. É a medicina da floresta ganhando espaço na vida urbana,
enquanto a ciência tenta aprender as lições contidas no conhecimento
tradicional e investigar seus efeitos.
As propriedades medicinais
existentes na biodiversidade brasileira vêm mobilizando as atenções de
centros de pesquisa do país. Apenas no livro "Plantas Medicinais na
Amazônia e na Mata Atlântica" (ed. Unesp, 604 págs., R$ 80), os
pesquisadores Luiz Claudio Di Stasi e Clélia Akiko-Hiruma Lima, da Unesp
(Universidade Estadual Paulista), catalogaram 135 espécies medicinais
citadas por 110 moradores da Amazônia e 170 da mata atlântica. Muitas
espécies têm dados farmacológicos comprovados por estudos científicos,
outras não.
"As pesquisas farmacológicas com plantas medicinais
oferecem novas opções terapêuticas para muitas doenças com medicamentos
já disponíveis, bem como para aquelas ainda sem alternativas de
tratamento", comenta Clélia.
Mas é preciso conduzir estudos
esmiuçados. "Cada planta, cada parte dessa planta e cada forma de
preparação dela é composta de milhões de substâncias químicas. Em
conjunto, essas substâncias podem exercer ação terapêutica ou tóxica.
Interagindo entre si, podem potencializar seus efeitos ou até
antagonizar sua ação final", explica a especialista.
Não é de
hoje que a ciência recorre ao conhecimento ancestral. "Em 1800, tudo o
que os médicos usavam era natural. Com a Segunda Guerra Mundial,
adentramos na era da produção sintética de medicamentos", relata Maria
Elisabeth van den Berg, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, em Belém
(PA), e autora de uma tese de doutorado sobre contribuições das plantas
medicinais da Amazônia para a medicina brasileira, defendida na
Universidade de São Paulo.
Para a pesquisadora, um caminho de
volta às curas naturais começou a ser percorrido há duas décadas. "Os
remédios sintéticos causaram efeitos colaterais desastrosos. Isso fez a
Europa voltar-se ao conhecimento tradicional. A talidomida foi um
divisor de águas", diz.
Na década de 60, a talidomida, droga
sintetizada na Alemanha e prescrita a grávidas contra enjôos, foi
retirada do mercado após causar severas más-formações fetais. Há relatos
de que 10 mil bebês foram vítimas da medicação.
Sincretismo
Nesse cenário, as florestas brasileiras --principalmente a Amazônia-- passam a figurar como potenciais celeiros de descobertas.
"Essa
medicina é chamada de "da floresta", mas na verdade ela é extremamente
sincrética. A Amazônia é um caldeirão de misturas. Dos índios, vem a
maioria dos remédios antiinflamatórios e analgésicos, pois eles se ferem
muito no mato. Eles também são os descobridores de substâncias
paralisantes usadas na caça. Dos negros, vêm vários conhecimentos
ligados aos problemas renais. E os brancos introduziram espécies
originárias de outras regiões, como ervas da China e da Índia", diz
Maria Elizabeth van den Berg.
Ela acredita que a pesquisa da
medicina tradicional brasileira merece sistematização. "Há vários grupos
de pesquisa atuando, mas é preciso estruturar isso. Pesquisar esses
remédios não é caro, o maior obstáculo é a burocracia."
Na
floresta Nacional do Purus, na divisa do Amazonas com o Acre, funciona,
há três anos e meio, o Ideaa (Instituto de Etnopsicologia Amazônica
Aplicada). Nele, uma equipe formada por um psiquiatra, um antropólogo e
cinco psicólogos, entre outros colaboradores --quase todos
estrangeiros--, toca um projeto cuja proposta é "usar as técnicas da
gente da floresta para curar doenças".
O psiquiatra espanhol Jose
Maria Fabregas é um dos idealizadores do instituto. Em parceria com a
Universidade de Madri, ele realizou um estudo comparativo entre usuários
regulares e não-usuários de ayahuasca (bebida sagrada produzida a
partir da fervura de duas plantas nativas da floresta amazônica, um cipó
e folhas de um arbusto), que será publicado na Europa no próximo mês.
O
psiquiatra defende a utilização médica da substância. "É um expansor de
consciência que incrementa a capacidade de olhar para si mesmo e de
seguir adiante, de rever a vida sob novas perspectivas. Dessa forma,
ajuda nos diagnósticos de estresse pós-traumático. Pode auxiliar, por
exemplo, a superar episódios de maus-tratos ou de abuso sexual,
libertando a vítima de bloqueios emocionais", comenta.
As
instalações do instituto têm capacidade para receber 12 hóspedes por
vez. "Recebemos basicamente dois grupos de pessoas. O primeiro deles
está em busca de autoconhecimento. O segundo é formado por dependentes
de entorpecentes como cocaína e crack que querem se livrar do vício",
conta Fabregas. A estada mínima recomendada pela equipe é de um mês,
para os que querem apenas se conhecer melhor, e de três meses, para os
que vão com o objetivo de se desintoxicar.
Os internos são
imersos numa miscelânea de técnicas que passa pelo uso regular da
ayahuasca e por aplicações da vacina do sapo combinados a sessões de
ioga, pilates e meditação. A medicina convencional não é descartada. "Se
necessário, usamos remédios convencionais. O que fazemos é "traduzir" o
conhecimento tradicional para nós, povos ocidentais. Combinamos essas
técnicas com as da psicologia acadêmica", diz o psiquiatra.
Pajelança Urbana
Banhos,
garrafadas, florais da floresta. Quem entra no consultório da
acupunturista e terapeuta floral Sônia Valença de Menezes, em São Paulo,
vai provavelmente receber uma receita assim para atenuar seus males,
sejam do corpo, sejam da alma. "A medicina da floresta dá a chance de
tratar corpo e espírito", observa Sônia. "Nada do que uso fui eu que
pesquisei. Só aprendi. Os pesquisadores desses remédios estão na
floresta."
Ela diz que a procura por esse tipo de acompanhamento
vem aumentando e se dá basicamente boca a boca. E o que conduz as
pessoas à trilha que liga selva e cidade é a busca por bem-estar.
"Recebo muitos estressados. Para esses, recomendo pimenta-longa, que
acalma os pensamentos, e banhos de carobinha, que soltam o que está
obstruído."
TATIANA DINIZda Folha de S.Paulo
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FOLÍCULO PILOSO
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
MEDICINA DA FLORESTA GANHA ESPAÇO NA VIDA URBANA
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