Foi
durante um congresso sobre epigenética, em Boston neste ano, que tive a
chance de conhecer pela primeira vez Amar Klar, do Centro para Pesquisa
de Câncer, em Maryland, nos Estados Unidos. Ele palestrava sobre a
segregação não aleatória dos cromossomos durante a divisão celular. Um
assunto polêmico na comunidade científica, pois dados convincentes ainda
não foram publicados. Com um jeitão enrolado e uma aparência notória
(apesar da origem indiana, ele é branco pálido devido ao vitiligo e se
parece muito com Zorba, o grego), Klar usa de um raciocínio perspicaz
(aliado a um humor de gosto duvidoso) para passar sua mensagem.
As evidências de Klar sobre a segregação não
aleatória dos cromossomos me pareceram sólidas e os experimentos que ele
usou para demonstrar seu ponto de vista, extremamente elegantes. Ao me
interessar mais pela sua pesquisa, decidi procurar no Pubmed (um site
público que lista as publicações dos cientistas na área biomédica)
outros trabalhos do seu grupo de pesquisa. Entre diversas outras
publicações em revistas científicas de peso, me deparei com uma curiosa
publicação em seu nome, sobre a orientação do redemoinho capilar em
indivíduos homossexuais (Klar, A. J. S. “Excess of counterclockwise scalp hair-whorl rotation in homosexual men”, Journal of Genetics, 2004).
Vale lembrar que os fatores que determinam a
variação da preferência sexual em humanos são ainda desconhecidos.
Acredita-se que a preferência sexual seja consequência da combinação
genética e ambiental. Assume-se que os fatores sejam semelhantes para
homens e mulheres gays. A maioria dos trabalhos que tentam explicar a
homossexualidade está baseada em alguns genes ou no ambiente hormonal
durante o desenvolvimento, influenciando redes neuronais nas quais a
preferência sexual estaria, presume-se, codificada.
No trabalho, Klar tenta estabelecer uma conexão
genética para o homossexualismo masculino. Para isso, procurou
relacionar a direção dos redemoinhos capilares com o comportamento
sexual. Cerca de 96% da população tem apenas um redemoinho, que rota no
sentido horário ou anti-horário (veja a figura acima). Os redemoinhos
são determinados geneticamente, não se alteram com o ambiente e estão
diretamente relacionados à preferência do uso das mãos.
Segundo descrito na parte de metodologia do
trabalho, ele fez as primeiras observações enquanto circulava por uma
praia em Miami (Rehoboth Beach), frequentada em sua maioria por
homossexuais masculinos. Caminhava pela praia e notava a orientação dos
redemoinhos sem interagir com as pessoas (uma forma de manter o
anonimato na pesquisa). Os indivíduos foram por ele considerados
homossexuais baseando-se nas observações sobre o comportamento
interpessoal típico e ausência de mulheres e crianças no local. Klar fez
as observações durante dois anos consecutivos naquela praia e depois
validou seus achados em outros locais frequentados por homossexuais
masculinos. Como controle, ele usou recintos neutros, como shopping
centers, onde observou que a frequência de redemoinhos anti-horários em
homens era de, aproximadamente 8%.
Ele excluiu da pesquisa mulheres, por causa dos
penteados e adornos que poderiam interferir na observação exata da
direção dos redemoinhos. Obviamente, excluiu os carecas também. Os
resultados estatísticos sugerem que os homossexuais masculinos têm 3,6
vezes mais chance de ter redemoinhos anti-horários do que os não
homossexuais.
Klar propõe uma explicação para a influência
genética do homossexualismo. Baseia-se no desenvolvimento da
lateralidade cerebral. Os dois hemisférios do cérebro são, de um modo
geral, espelhados, mas existem pequenas diferenças entre eles. Mais
importante, acredita-se que os hemisférios executem tarefas cognitivas
bem distintas. O hemisfério dominante estaria envolvido nos processos de
linguagem e coordenação motora das mãos, ao passo que o outro
envolveria atividades “automáticas” como orientação espacial e outras
funções não verbais. O lado “dominante” está bem relacionado com o uso
preferencial das mãos (destro ou canhoto).
Mas como explicar essa correlação? Tanto nossos
cabelos como os hemisférios cerebrais e o uso predominante de uma das
mãos, são originados do mesmo tecido embrionário, a camada da ectoderme.
Dessa forma, uma possibilidade seria que um cérebro menos simétrico
teria mais chances de estabelecer conexões neuronais entre os dois
hemisférios, favorecendo a tendência homossexual.
Como o fenômeno não é único da espécie humana, pode
haver alguma vantagem evolutiva correlacionada a esse comportamento.
Talvez a vantagem evolutiva seria de permitir o surgimento de indivíduos
na população com uma percepção acentuada ou maior sensibilidade,
auxiliando o grupo em situações de perigo ou estresse, por exemplo.
Obviamente, um número elevado de pessoas com essas características
poderia ser prejudicial, daí o controle populacional pela orientação
sexual.
Segundo essa lógica, Amar propõe que o fenótipo da
orientação do redemoinho seja um indicativo do comportamento sexual
masculino. Como esse comportamento não é patológico, ele sugere que
futuras pesquisas se concentrem na análise da lateralidade dos
homossexuais para comprovar a teoria.
O trabalho é certamente provocativo. Fortalece
alguns dados obtidos em irmãos gêmeos que sugerem 50% de influência
genética no comportamento sexual. Por outro lado, os dados precisam ser
confirmados em outras populações homossexuais, incluindo mulheres. Outro
ponto importante é que, apesar dos redemoinhos não se alterarem com o
ambiente, o uso preferencial das mãos pode ser modificado culturalmente,
influenciando a atividade cerebral. Dessa forma, mesmo que o giro
anti-horário do redemoinho seja um indicativo do comportamento sexual,
me parece tão superficial quanto a preferência pelo rosa (uma tendência
feminina).
Sei que existem pessoas que ignoram trabalhos como
esse ou mesmo repudiam cientistas que trabalham com esse tipo de
pesquisa. Entendo a polêmica e certamente Klar não passou ileso. Segundo
ele, ao tentar publicar seus achados na “Science”, foi rejeitado
justamente pelo teor polêmico do artigo – e não pelo rigor científico.
Acabou publicando numa revista indiana de baixo impacto, e mesmo assim
teve de remover o nome de seu departamento nos EUA e usar seu endereço
residencial e contato pessoal para evitar possíveis conflitos com
colegas cientistas.
Felizmente, os dados de Amar Klar foram publicados e
trazem uma hipótese provocativa, que ainda não foi provada correta ou
incorreta, mas faz refletir.
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